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Vegetarianismo e saúde


Frutas e legumes bem lavados são muito saudáveis.

O vegetarianismo é uma condição em que a pessoa se abstém do consumo de carnes. Existem vários tipos de "vegetarianos": há os ovolactovegetarianos, que evitam carne, mas comem ovos e leite e derivados; há os ovovegetarianos (que consomem ovos) e os lactovegetarianos (que consomem leite e derivados); e há os vegetarianos estritos, que não consomem nada de origem animal, nem mesmo mel. Ainda existem aqueles que não consomem carne vermelha, mas continuam se alimentando de peixe, por exemplo. Extrapolando a questão alimentar, os veganos geralmente não consomem nenhum produto de origem animal, seja vestuário, cosmético ou alimento.

As razões para se escolher o caminho do vegetarianismo são variadas: bem-estar, ética e religião são todos motivos que podem contribuir mais ou menos para que uma pessoa decida parar de comer carne. E também há a questão da saúde. Mas será que a dieta vegetariana é mais saudável do que a dieta onívora, em que se come de tudo?

Nós analisamos uma série de revisões sistemáticas publicadas entre 2015 e 2017 e um estudo britânico envolvendo mais de 60.000 pessoas publicado em 2014 sobre o assunto para trazer o que a ciência médica tem a dizer sobre essa questão: ser vegetariano é mais saudável do que ser onívoro?

1. Vegetarianismo e lipidograma

Uma revisão sistemática de 2015 (1) concluiu que indivíduos que seguem dieta vegetariana apresentam menores níveis de colesterol total, lipoproteínas de baixa densidade (LDL) e lipoproteínas de alta densidade (HDL), mas não de triglicérides.

Enquanto baixos níveis de LDL e colesterol total são associados a menor risco de doenças cardiovasculares, níveis menores de HDL são considerados ruins para a saúde do coração e dos vasos sanguíneos.

Os mecanismos pelos quais a dieta vegetariana seria capaz de diminuir esses índices lipídicos seria: 1. pela menor quantidade de colesterol e gorduras totais, 2. pela maior quantidade de fibra alimentar, e 3. pela maior presença de fitoquímicos benéficos na dieta veggie.

Nota-se que os vegetarianos em geral apresentam menor índice de massa corporal (IMC), o que pode ter afetado os resultados deste estudo (e de todos os outros, na realidade), pois IMC mais baixo é relacionado a menor quantidade de lipídios no sangue. Aliás, entre os obesos a dieta vegetariana não apresentou os mesmos resultados positivos que apresentou em indivíduos não obesos em relação ao lipidograma.

Os autores concluem que a dieta vegetariana pode teoricamente ser usada no controle da dislipidemia, que é importante fator de risco para doenças cardiovasculares.

Outra revisão sistemática, esta de 2017 (2), também concluiu que o vegetarianismo está relacionado a menores níveis de colesterol no sangue e outros fatores de risco cardiovascular.

2. Vegetarianismo e câncer

O estudo britânico de 2014 (3) estudou o risco de veganos, vegetarianos, "vegetarianos" que comiam peixe (fish eaters) e onívoros desenvolverem câncer (CA).

Em relação aos onívoros, vegetarianos e veganos apresentaram menores índices de CA de estômago e sistema hematolinfopoiético. Fish eaters apresentaram, além desses, menores índices de CA colorretal.

Não houve diferença entre veganos e controles quanto a CA de próstata, de mama e colorretal, mas em geral veganos apresentaram risco 19% menor para todos os CAs.

Os autores concluem que veganos e vegetarianos apresentam em geral menor risco de CA do que consumidores de carne. A diferença entre os grupos para o CA de estômago foi particularmente importante.

Notemos, porém, que veggies apresentam um estilo de vida em geral mais saudável do que a população geral: eles fumam menos, bebem menos, são mais magros e praticam mais atividade física. Isso pode ter influenciado os resultados, pois também são fatores de risco para CAs (ainda que fumo, consumo de álcool e idade tenham sido ajustados neste estudo).

3. Vegetarianismo e obesidade

Em uma revisão sistemática publicada em 2015 (4), foi observada uma redução média de pelo menos 3,4 kg em sujeitos que adotaram uma dieta vegetariana (com o objetivo de emagrecer ou não). Os pesquisadores concluíram que a prescrição de dietas vegetarianas é eficaz para diminuir o IMC dos indivíduos.

A obesidade é relacionada a maior risco de diabetes melito, doença cardiovascular, hipertensão arterial sistêmica, osteoartrite, alguns CAs, e mortalidade após diagnóstico de CA de mama, entre outras comorbidades.

Dietas baseadas em vegetais são consistentemente relacionadas a perda de peso em estudos intervencionistas, mesmo sem prescrição de limite de ingestão calórica ou prática de exercício físico. São dois os principais supostos mecanismos para a perda de peso observada em vegetarianos: 1. uma dieta rica em fibras e pobre em gorduras, comum entre os veggies, tem menor densidade calórica, e 2. uma dieta baseada em vegetais, pobre em gorduras, aumenta o gasto energético pós-prandial, talvez pelo aumento da sensibilidade à insulina.

Recomenda-se aos vegetarianos que acompanhem junto a um médico seus níveis de vitamina B12 (cianocobalamina), inclusive considerando suplementação.

4. Vegetarianismo e ferro

As questões de saúde que com mais frequência vejo serem levantadas quando se fala em vegetarianismo são: deficiência de proteína, deficiência de cianocobalamina e deficiência de ferro. Esta revisão sistemática de 2017 (5) examinou os efeitos de uma dieta vegetariana sobre os níveis séricos de ferritina, uma forma indireta de medir a quantidade de ferro no organismo do indivíduo.

Vários alimentos de origem vegetal, como feijão e folhas verde-escuras, são ricos em ferro. De fato, a quantidade de ferro em dietas vegetarianas pode ser até maior do que em dietas onívoras (surpreendentemente), mas sua absorção é prejudicada por vários fatores, como a maior presença de ácido fítico em dietas veggies. Estudos prévios sugerem 18% do ferro em dietas onívoras é absorvido, contra apenas 10% em dietas vegetarianas.

Em geral, indivíduos vegetarianos, especialmente homens, apresentam menores níveis de ferritina sérica do que onívoros. Não ficou claro se esses menores níveis séricos de ferritina chegam a prejudicar sua saúde ou aumentar as chances de anemia ferropriva. Alguns estudos sugerem que esses níveis mais baixos não chegam ao limite mínimo recomendado e, portanto, não seriam preocupantes.

Os autores ponderam que o excesso de ferro também pode ser prejudicial; está ligado, por exemplo, a maior risco de diabetes mellitus tipo 2, por conta de maior estresse oxidativo e consequente lesão celular.

Recomenda-se especial atenção aos níveis de ferritina sérica de vegetarianos de grupos especiais, como crianças em fase de crescimento e gestantes.

5. Vegetarianismo e saúde em geral

Segundo revisão sistemática de 2017 (2), vegetarianos apresentam valores significantemente menores dos principais fatores de risco para doenças crônicas (colesterol, glicemia de jejum, IMC).

Vegetarianos apresentam 25% menos chance de apresentar doença cardíaca isquêmica (infarto do miocárdio) e 8% menos chances de apresentar CA. Por outro lado, não houve diferença significativa na incidência ou mortalidade de doenças cardiovasculares em geral, nem de doenças cerebrovasculares.

Em outra revisão sistemática já citada de 2015 (4), os autores lembram que dietas vegetarianas apresentam benefícios em relação a diabetes, doenças cardiovasculares e hipertensão arterial sistêmica.

Pondera-se que os estudos sobre esse assunto são numerosos, os resultados são complicados e por vezes discordantes, pois há muitas variáveis a serem consideradas.

Conclusão

Vimos no estudo britânico de 2014 (3) que, em geral, vegetarianos vivem mais saudavelmente que onívoros (bebem menos, fumam menos, praticam mais atividade física, são mais magros). A coincidência do vegetarianismo com um estilo de vida mais saudável pode influenciar vários resultados obtidos nestes estudos. Ou seja, talvez alguns benefícios observados não sejam devidos propriamente à abstenção do consumo de carne, mas ao estilo de vida em geral mais saudável do grupo veggie.

As pesquisas indicam que a dieta vegetariana bem feita e balanceada é capaz de suprir os nutrientes necessários ao corpo humano, inclusive uma quantidade adequada de proteínas e ferro. Vegetarianos devem se atentar especialmente para a vitamina B12, cuja deficiência nesse grupo pode ser um problema real.

Apesar dos benefícios observados em relação ao lipidograma, deve-se considerar que, assim como uma dieta vegetariana bem feita não leva à deficiência de proteínas, uma dieta onívora bem feita não leva ao excesso de lipídios. Onívoros também podem se beneficiar de uma dieta rica em fibras e moderada em lipídios, mesmo comendo carne.

Quanto ao emagrecimento, enquanto as pesquisas realmente mostram a diminuição do IMC de quem adota uma dieta vegetariana, deve ser lembrado que o que leva ao emagrecimento é o déficit calórico, ou seja, um gasto calórico que supera a ingestão calórica do indivíduo. Isso pode ser alcançado com ou sem o consumo de carnes, ovos ou leite.

Por fim, é possível ser saudável tanto com uma dieta onívora como com uma dieta vegetariana. É importante sempre contar com a ajuda de um médico e/ou nutricionista antes de fazer qualquer mudança brusca na alimentação e acompanhar de perto esse período de transição.

E, claro, se você quiser uma dieta realmente vegetariana, lembre-se de lavar bem a salada.

Referências (por ordem de aparição)

1. WANG, Fenglei et al. Effects of vegetarian diets on blood lipids: a systematic review and meta-analysis of randomized controlled trials. Journal of the American Heart Association, v. 4, n. 10, p. e002408, 2015.

2. DINU, Monica et al. Vegetarian, vegan diets and multiple health outcomes: a systematic review with meta-analysis of observational studies. Critical reviews in food science and nutrition, v. 57, n. 17, p. 3640-3649, 2017.

3. KEY, Timothy J. et al. Cancer in British vegetarians: updated analyses of 4998 incident cancers in a cohort of 32,491 meat eaters, 8612 fish eaters, 18,298 vegetarians, and 2246 vegans. The American journal of clinical nutrition, v. 100, n. Supplement 1, p. 378S-385S, 2014.

4. BARNARD, Neal D.; LEVIN, Susan M.; YOKOYAMA, Yoko. A systematic review and meta-analysis of changes in body weight in clinical trials of vegetarian diets. Journal of the Academy of Nutrition and Dietetics, v. 115, n. 6, p. 954-969, 2015.

5. HAIDER, Lisa M. et al. The effect of vegetarian diets on iron status in adults: A systematic review and meta-analysis. Critical reviews in food science and nutrition, p. 1-16, 2017.

Figura: Pomona ontvangt de fruitoogst, de Cornelis van Haarlem.


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