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Meus poemas preferidos de Vinicius de Moraes

Vinicius de Moraes, poeta e diplomata, o branco mais preto do Brasil. Além de poeta, compositor de música popular e cantor, um dos pais da bossa nova, ao lado de Tom Jobim, João Gilberto e da mãe Elizete Cardoso. Dramaturgo, tendo concebido Orfeu da Conceição, a obra que inaugurou a dupla Vinicius-Tom. Marido de nove mulheres e pai de onze filhos, o Poetinha é um símbolo brasileiro de paixão e boemia.

Na década de 30, Vinicius publicou seus primeiros livros de poesia. Pedantes, místicos e eruditos, eram muito diferentes da poesia que consagraria o Poetinha futuramente. Eu tampouco gosto dessa fase metafísica de Vinicius. Em compensação, a partir de 1938, a poesia de Vinicius adquire tons mais populares e temas mais leves. Seus poemas não deixam de ser bonitos, tampouco elaborados; mas são mais agradáveis, mais bossa nova, mais Ipanema, mais Vinicius de Moraes.

Este texto começou com uma seleção de meus poemas preferidos. À medida que escrevia, percebi que, caso meu único critério fosse o gosto, mais de metade dos poemas seriam de Vinicius. Decidi então fazer este texto separado, dedicado unicamente a Vinicius de Moraes.

Esta lista se baseia na Antologia Poética, publicada pela primeira vez por Vinicius em 1960, e modificada pela última vez em 1967.

Soneto de fidelidade

Talvez este seja o soneto mais conhecido de Vinicius.

Quando eu comecei a escrever meus primeiros poemas, eu gostava de escrever sonetos. Gosto de rimas, e o soneto, em sua "cadeia", permite uma ampla exploração delas. Como disse Guimarães Rosa, "para o artista, toda limitação é estimulante". Pela rigidez no formato do poema, a musicalidade do soneto depende muito das rimas e da aliteração. Daí, surgem esquemas interessantes, como o ABBA ABBA CDE DEC do Soneto de fidelidade.

Mais do que isso, meu interesse pelo soneto naquela época se devia também ao seu aspecto clássico. Poemas livres podem ser geniais, mas a liberdade que eles têm para serem ótimos é a mesma que têm para serem sofríveis. O soneto, para mim, foi um bom formato para aprender a fazer poesia, para experimentar com esquemas de rimas, arriscar nas rimas internas e, principalmente, entender como as sílabas tônicas influenciam na musicalidade do verso e do poema.

A maioria das rimas de Soneto de fidelidade é pobre (no sentido técnico, rimas entre palavras com mesma função morfológica): momento/contentamento, canto/pranto, procure/dure, vive/tive. Porém, são rimas bonitas, nada forçadas, tampouco óbvias.

As duas primeiras estrofes do poema me parecem uma introdução agradável para as duas últimas; estas, sim, geniais. Os dois últimos versos do soneto são hoje uma expressão corrente no vocabulário brasileiro, um lugar-comum. Ao falar do amor romântico, avassaladoramente apaixonado, é comum dizer uma variação de:

Que não seja imortal, posto que é chama

Mas que seja infinito enquanto dure.

Essas vinte sílabas poéticas valem o poema inteiro. E é verdade. Neste e em outros poemas que colocarei nesta lista, um ou dois versos podem ser cruciais para que eles sejam tão bons.

Por outro lado, os dois primeiros versos do soneto são decepcionantes. Vendo o próprio Vinicius recitar seu soneto, acompanhado de Tom Jobim ao piano e um trecho de Eu sei que vou te amar, ouvimos "De tudo ao meu amor serei atento antes/ E com tal zelo, e sempre, e tanto...". Apesar de o primeiro verso terminar em atento, Vinicius o declama incorporando a ele a partícula antes, o que faz com que o verso tenha sentido, mas faz parecer que o Poetinha quis "roubar" na estrutura do soneto. Há quem diga que não tem nada a ver... Mas eu me incomodo um pouco, sim.

De toda forma, ainda percebemos a musicalidade no final da estrofe, assim que se pronuncia a rima de pensamento.

Balada do mangue

Este é um dos poemas geniais de Vinicius. Não está na forma consagrada das baladas: seus versos não estão em oitavas e quadras, nem são octassílabos. Porém, todos estão em redondilha maior, ou seja, possuem sete sílabas poéticas, o que lhe confere bastante musicalidade. As rimas não seguem um esquema rígido, mas são ricas e estão presentes ao longo de todo poema de forma genial.

O início desse poema é um dos meus preferidos. A rima gonocócicas/tóxicas é genial, inimaginável antes de lida. Além dela, os versos são recheados da aliteração do p, o que segue até o quinto verso, e de várias assonâncias:

Pobres flores gonocócicas

Que à noite despetalais

As vossas pétalas tóxicas!

Pobre de vós, pensas, murchas

Orquídeas do despudor

Ler a aliteração e as rimas dos versos oitavo a onze é o mesmo que ouvir música:

Sois frágeis, desmilinguidas

Dálias cortadas ao pé

Corolas descoloridas

Enclausuradas sem fé,

O poema segue com rimas ricas e pobres, mas sempre inteligentes. Além de toda essa riqueza formal desses primeiros versos, o conteúdo do poema é introduzido magistralmente: nenhum verso é bobo nem forçado.

Ah, jovens putas das tardes

O que vos aconteceu

Para assim envenenardes

O pólen que Deus vos deu?

Podemos ver, ainda, metáforas elegantes como essa, que identifica fluidos sexuais com o "polén que Deus vos deu", o qual estaria contaminado no caso das "orquídeas do despudor":

Sinto então nos vossos sexos

Formarem-se imediatos

Os venenos putrefatos

Com que os envenenar

A musicalidade dos primeiros versos segue até o fim do poema, assim como as metáforas inteligentes. Um verso após o outro, as rimas nos surpreendem pela sua beleza: lilases/falazes, vós/heróis, mulheres/choferes. Tudo isso continua em versos de redondilha maior, o que permite construções absolutamente maravilhosas, como esta:

Pobres, trágicas mulheres

Multidimensionais

Ponto morto de choferes

Passadiço de navais!

Poema de Natal

Enquanto a forma de Balada do mangue me encanta, o conteúdo de Poema de Natal é o que me faz apaixonado por ele.

Para isso fomos feitos: lembrar e ser lembrados, chorar e fazer chorar, para enterrar os nossos mortos. A resposta de Vinicius para a pergunta "qual o sentido?" é esta: os laços humanos.

Houve uma época, lá pelos quatorze anos, em que eu dizia cheio de convicção que velórios eram perda de tempo, que se alguém está morto, não há solução, e chorar sobre um cadáver é irracional. Bem, realmente é irracional. Mas não é perda de tempo.

Hoje, velórios me lembram coisas muito importantes: a busca humana por significado além do mundano, a força dos laços humanos (mais fortes que a morte), e nossa impotência perante ela (apesar de tudo). Pois para isso fomos feitos: para enterrar os nossos mortos.

Na segunda estrofe, Vinicius cria um tom mais pessimista. Essa é a nossa vida: uma estrela a se apagar nas trevas, uma tarde sempre a esquecer, um caminho entre dois túmulos.

Como dizia Raul Seixas, todo homem e toda mulher é uma estrela. Somos o ápice da criação. Somos os seres mais complexos e cativantes que existem. O cérebro humano talvez seja o objeto mais fascinante do universo, quem dirá a mente humana (que não é nem objeto). Ao mesmo tempo, como os velórios sempre nos lembram, somos frágeis e passageiros, e cada segundo de brilho é um segundo rumo a um apagar nas trevas.

Um caminho entre dois túmulos -

Essa frase lembra uma passagem de um livro de Richard Dawkins em que ele questiona como podemos nos lamentar pela morte, sendo que ela é um sinal de que nascemos, o que nos põe num grupo muito seleto de pessoas, já que maioria dos humanos que poderiam ter nascido não nasceu nem jamais nascerá. As combinações que todos aqueles espermatozoides e óvulos poderiam gerar fazem com que o nascimento de qualquer pessoa seja um tíquete sorteado de loteria. Como podemos lamentar voltar a um estado sem vida do qual a maioria de nós nunca sairá?

Nossa vida é um caminho entre dois túmulos porque nós somos seres que não existimos a maior parte do tempo. Em meio a bilhões de anos de universo e milhares de anos de civilização, cada um de nós existirá por apenas algumas décadas. Depois disso, voltaremos (não iremos, mas voltaremos) ao limbo de onde a imensa maioria de todas as pessoas nunca sairá. A vida é um breve caminho entre dois túmulos: da morte, apenas nascemos.

Porém, contrariando a estatística, estamos aqui. Nós, os vivos. Acreditando em coisas ainda mais improváveis, lendo poesia, falando sobre a morte...

Pois para isso fomos feitos: para a esperança no milagre, para a participação da poesia, para ver a face da morte.

Pátria minha

Este poema, ao contrário do Soneto de fidelidade, não é um rock star no currículo do Poetinha, apesar de tampouco ser menosprezado.

Ao contrário dos primeiros dois poemas, este não segue forma rígida alguma. Seus versos cortam frases ao meio aparentemente sem nenhum princípio; são versos longos e versos curtos embaralhados, muitas vezes sem rima. O formato lembra Receita de mulher, poema mais famoso do mesmo autor. A primeira estrofe, cheia de emoção, é um exemplo de como os versos parecem "bagunçados":

A minha pátria é como se não fosse, é íntima

Doçura e vontade de chorar; uma criança dormindo

É minha pátria. Por isso, no exílio

Assistindo dormir meu filho

Choro de saudades de minha pátria.

Gosto da rima água/mágoa e da aliteração no final da segunda estrofe, principalmente no último verso:

Mas sei que a minha pátria é a luz, o sal e a água

Que elaboram e liquefazem a minha mágoa

Em longas lágrimas amargas.

O poema é bem-sucedido em transmitir a emoção de quem sente saudade:

Quero rever-te, pátria minha, e para

Rever-te me esqueci de tudo

Fui cego, estropiado, surdo, mudo

Vi minha humilde morte cara a cara

Rasguei poemas, mulheres, horizontes

Fiquei simples, sem fontes.

Mas o que diferencia esse poema de outros, para mim, é esta metáfora:

[...] a minha pátria é o grande rio secular

Que bebe nuvem, come terra

E urina mar.

O grande rio Amazonas, cujo volume de água é abastecido pelas chuvas diárias da floresta tropical (e pelo gelo dos Andes, deve-se pontuar), cuja força arrasta consigo a terra de sua margem por centenas de quilômetros, até desaguar (n)o mar.

Essa metáfora, para mim, vale pelo poema inteiro.

Por outro lado, assim como os primeiros versos de Soneto de fidelidade me incomodam, há uma estrofe desse poema que é a antítese da poesia.

Mais do que a mais garrida a minha pátria tem

Uma quentura, um querer bem, um bem

Um libertas quae sera tamem

Que um dia traduzi num exame escrito:

"Liberta que serás também"

E repito!

Talvez minha indignação não seja justa, mas comparar a frase latina da bandeira mineira com a frase "Liberta que será também" é tão original quanto, não sei, algo bem não original, indigno de um grande poeta. À parte isso, porém, um grande poema.


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