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Linguagem comparada #2: A ordem das palavras

No português e na maioria das línguas mais faladas no mundo ocidental (inglês, espanhol, francês, italiano) as frases são construídas na ordem sujeito-verbo-objeto (SVO):

Eu como pão. I eat bread. Je mange du pain. Io mangio pane.

Mas esse padrão não é universal. Diferentes idiomas têm diferentes formas de estruturar suas orações. No hindi e no japonês, por exemplo, a ordem sujeito-objeto-verbo (SOV) é o padrão. Seria como dizer, em português:

Eu pão como.

Geralmente, essas ordens de palavras não são regras sem exceções, mas apenas a forma mais comum de se expressar em determinada língua. No português e outras línguas românicas, às vezes usamos a ordem SOV quando o objeto é um pronome:

Eu te amo. Je t'aime.

No português, podemos até usar o objeto no meio do verbo, quando usamos a mesóclise em futuros simples:

(Eu) Amá-la-ei. (Nós) Encontrá-la-íamos.

Alguns idiomas têm particularidades que permitem maior flexibilidade na ordem das palavras. O latim, por exemplo, língua-"mãe" do português, espanhol, francês e italiano, tem um sistema de casos que marca a função sintática das palavras. Isso permite que o sujeito, o objeto e o verbo de cada oração sejam conhecidos, independentemente de seu lugar na frase:

Serua coquum timet. (=A escrava teme o cozinheiro).

Seruam coquus timet. (=O cozinheiro teme a escrava).

Nos exemplos acima, temos nas duas frases as palavras serva, cozinheiro e teme, nesta ordem. Porém, enquanto na primeira oração serva funciona como sujeito e cozinheiro, como objeto, na segunda é o contrário. Essa mudança na função sintática das palavras não se deu, como vimos, por uma mudança na ordem delas na oração, mas por uma mudança na sua forma.

Em inglês ou em português e outras línguas românicas, a mudança na ordem dos substantivos mudaria sua função sintática:

The slave fears the cook. (=A escrava teme o cozinheiro).

The cook fears the slave. (=O cozinheiro teme a escrava).

No latim, a função sintática depende mais da morfologia do que da ordem das palavras. Coquus e coquum ambas significam cozinheiro, mas enquanto o final us (neste caso) indica função de sujeito, o final um indica função de objeto direto. Esses são os casos: coquus e serua estão no caso nominativo (sujeito ou predicativo do sujeito), e coquum e seruam estão no caso acusativo (objeto direto).

Serua timet coquum. (=A escrava teme o cozinheiro).

Coquum timet serua. (=A escrava teme o cozinheiro).

Com isso, a ordem das palavras no latim é muito mais uma questão de estilo, ritmo e ênfase do que de sintaxe. Apesar de tal liberdade, linguistas classificam o latim como uma língua de ordem SOV, que seria a ordem mais usual dos escritores clássicos.

Também utilizamos mudanças morfológicas para sinalizar a função sintática dos pronomes no português, o que lembra o sistema de casos latino. Os pronomes do caso reto (eu, tu, ele) exercem função de sujeito, enquanto os pronomes átonos do caso oblíquo (me, te, se) exercem função de objeto direto.

Muito curiosamente, 87% das línguas do mundo inteiro utilizam a ordem SOV (45%) ou SVO (42%). Ou seja, 87% dos idiomas colocam o sujeito antes do verbo e do objeto. Isso inclui as línguas latinas contemporâneas, o inglês, o russo, o mandarim, o hindi e outras.

Nove por cento utilizam a ordem verbo-sujeito-objeto (VSO), incluindo o irlandês, o galês e o hebraico bíblico. Em português, uma oração em VSO seria:

Como eu pão.

No total, cerca de 96% dos idiomas do mundo costumam colocar o sujeito antes do objeto nas orações (SVO, SOV ou VSO).

Uma parte bem pequena dos idiomas utiliza uma ordem em que o objeto precede o sujeito: 3% usa a ordem verbo-objeto-sujeito (como pão eu) e 1% usa a ordem objeto-verbo-sujeito (pão como eu). Menos de 0,5% utiliza a ordem objeto-sujeito-verbo (OSV), a menos comum de todas. Grande parte das línguas que utilizam comumente a ordem OSV são aquelas originárias da Bacia do Amazonas, como a língua Xavante. Em português, uma oração em OSV ficaria:

Pão eu como.

A língua Xavante é uma das raras línguas que utilizam comumente a ordem objeto-sujeito-verbo.

***

A capacidade de linguagem humana pode ser dividida em três diferentes sistemas cognitivos: 1. o sistema conceitual, que cria e dá sentido aos signos da linguagem (semântica), 2. o sistema sensório-motor, que produz e percebe os signos da linguagem (fonética), e 3. o sistema computacional da gramática, que conecta sentidos e signos e permite a criação de sentenças estruturadas (alguém fez algo a alguém) (sintaxe).

Existem evidências de que o sistema computacional de gramática "prefira" a ordem SVO. Historicamente, mudanças na ordem das palavras em idiomas que não têm contato com outros idiomas tendem a ocorrer no sentido SOV-SVO. Além disso, idiomas SVO são mais "estáveis", ou seja, tendem a usar a ordem SVO mais invariavelmente, enquanto línguas SOV utilizam essa forma menos constantemente.

Mas, se nosso sistema computacional de gramática prefere a ordem SVO, por que 45% dos idiomas do mundo utilizam o padrão SOV?

Em 2010, cientistas italianos fizeram um experimento com falantes nativos de italiano (SVO) e turco (SOV) para entender melhor como nossa cognição lida com a ordem das palavras no discurso. Os participantes tinham que comunicar frases simples como "a menina pega o peixe" apenas com gestos, e nenhum deles era versado em nenhuma linguagem gestual.

Interessantemente, tanto os italianos como os turcos utilizaram muito mais a ordem SOV para comunicar as frases simples com gestos, ainda que na comunicação escrita e oral os italianos utilizem a ordem SVO:

Quase 80% dos italianos e 90% dos turcos utilizaram a ordem SOV para comunicar eventos simples com gestos.

Não há explicação definitiva para esse fenômeno. Uma das razões que os cientistas propuseram para essa preferência no uso do padrão SOV é a de que se trata de uma preferência cognitiva natural para expressar eventos simples: é como se o cérebro estivesse predisposto a comunicar eventos simples na ordem SOV.

Mas como seria possível haver essa preferência, se o sistema computacional de gramática prefere a ordem SVO?

Os mesmos cientistas italianos fizeram então um segundo experimento. Italianos e turcos foram pedidos para sinalizar eventos complexos, compostas de uma oração principal e uma oração subordinada, como em "o homem diz à criança [que a menina pega o peixe]".

Em linguagens SVO, como o português e o italiano, o usual é utilizar a ordem acima: sujeito, verbo, objeto, oração subordinada. Em línguas SOV, como o turco, espera-se que a oração subordinada (funcionando como um objeto) venha antes do verbo. Seria como dizer, em português, "o homem à criança [que a menina pega o peixe] diz".

Nesse segundo experimento, tanto os italianos como os turcos utilizaram padrões típicos de idiomas SVO, com a oração principal antes da oração subordinada. Mesmo que a sintaxe do turco seja usualmente SOV, os falantes nativos utilizaram a ordem SVO para a comunicação gestual improvisada de eventos complexos.

Os pesquisadores concluíram que a comunicação gestual do primeiro experimento não utilizava o sistema computacional de gramática, mas apenas os sistemas sensório-motor e conceitual.

Parece que, enquanto os sistemas sensório-motor e conceitual naturalmente "preferem" se comunicar na ordem SOV, o sistema computacional de gramática "prefere" a ordem SVO.

Referência

LANGUS, Alan; NESPOR, Marina. Cognitive systems struggling for word order. Cognitive psychology, v. 60, n. 4, p. 291-318, 2010.

Figura por Elza Fiúza/ABr (2007).


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