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Sobre Ben Shapiro e aborto

Parece que nas últimas semanas tem havido mais e mais falação sobre a polêmica do aborto. Hoje mesmo um amigo compartilhou no facebook um vídeo de 2017 de Benjamin Shapiro respondendo a uma questão sobre isso. Pouco tempo depois, outro amigo mandou a foto de um feto com a legenda "ainda não me chame de bebê", em referência a uma música sertaneja da moda. Esse assunto é sempre muito prevalente, mas eu tive a impressão de que a discussão esteve mais intensa nos últimos dias. Talvez seja só impressão.

De toda forma, eu quero falar sobre o vídeo de Shapiro. Benjamin Shapiro é um advogado estadunidense inteligente, famoso e judeu. Não confundi-lo com Robert Shapiro, também um advogado estadunidense inteligente, famoso e judeu, recentemente interpretado por John Travolta em uma série sobre o caso The People v. O. J. Simpson; como o fato de ter sido recentemente interpretado por Travolta deve sugerir, Bob é bem mais velho que Ben.

Slow down, you crazy child! Lembra meu antigo técnico de handebol...

No vídeo, um jovem estudante de Berkeley pergunta a Ben: "Por que exatamente você acha que um feto de primeiro trimestre tem valor moral?".

Shapiro (Ben) responde que o feto de primeiro trimestre tem valor moral por que "se você o considera uma vida humana, atual ou potencial, ele tem mais valor do que um punhado de células".

Ele continua a resposta, mas eu quero fazer meu primeiro parêntese aqui.

Um punhado de células não tem necessariamente valor moral só porque contém um genoma humano. Algumas pessoas acham que têm, outras acham que não. Eu acho que não. O ponto é: o fato de algumas células conterem um genoma humano e serem capazes de se desenvolverem até formarem um bebê não tem como consequência lógica a conclusão de que essas células têm valor moral.

Esse é um dos pontos de maior controvérsia nas discussões sobre aborto. Vamos discuti-lo em outro texto. Por enquanto, basta ficar claro: um feto de primeiro trimestre não tem automaticamente valor moral apenas por ser formado de células humanas.

Ben continua: "Se ele seguir seus processos naturais, ele se tornará um bebê".

Também um óvulo ou um espermatozoide seguindo seus processos naturais se encontrariam e formariam um bebê.

Ele chega à conclusão de que "a questão na verdade é: onde traçamos a linha?". Na batida do coração? Temos adultos que sobrevivem com marcapassos gerando seus batimentos cardíacos, diz Ben. Na função cerebral? "E as pessoas em coma? Deveríamos matá-las?", interroga Shapiro.

O "início da vida" poderia ser considerado o início dos batimentos cardíacos. Houve uma época em que o coração parado de fato indicava irremediavelmente a morte de um ser humano. Esses dias, porém, passaram. Hoje em dia há ressuscitação cardiopulmonar, marcapasso e até circulação extracorpórea. A atividade cardíaca não é mais o indicativo de vitalidade do ser humano. Nem para o início nem para o fim.

Mas a atividade cerebral o é. Hoje, um coração que não funciona mais pode ser trocado. O cérebro, não. O cérebro sem funcionalidade e sem possibilidade de retorno, o cérebro morto, marca a morte humana. A atividade cerebral é, hoje em dia, o critério para o fim da vida humana. Por que não seria também o critério para o início da vida humana?

Ben Shapiro se contrapõe a essa ideia com um argumento incrivelmente fraco para um advogado formado em Harvard, mas muito eficiente em um debate oral, em que não há tempo para dissecar cuidadosamente cada ideia exposta. "Então se você estiver em coma reversível eu posso lhe esfaquear?". Claro que não! Coma é muito, muito diferente de morte cerebral.

Ele continua: "O problema é: toda vez que você traça qualquer linha que não seja a concepção, você acaba traçando uma linha falsa que também pode ser aplicada a pessoas adultas. Portanto, ou a vida humana tem valor intrínseco, ou não tem. Eu acho que ambos concordamos que a vida humana de um adulto tem valor intrínseco — podemos partir desta premissa?".

Podemos. A vida de um adulto tem valor intrínseco porque ele já tem um sistema nervoso complexo e funcional, onde se guardam memórias, expectativas, medos e paixões únicos. Um cérebro capaz de fazer aquele ser humano sentir dor e prazer; pois para isso fomos feitos: para lembrar e ser lembrados, para chorar e para fazer chorar.

Em algum momento, de preferência daqui a muitas décadas, eu, você e Ben Shapiro estaremos bem velhinhos, assim como nossos rins, corações e cérebros. E eventualmente eles pararão de funcionar. Se os rins pararem e não puderem voltar, podemos tentar o transplante ou a diálise. Se o coração parar e não puder voltar, temos a possibilidade do transplante. Se o cérebro parar e não puder voltar, infelizmente, não tem jeito. Estaremos mortos; pois para isso fomos feitos: para ver a face da morte.

A vida de alguém capaz de amar, sofrer, sentir dor e ter lembranças tem valor moral. Isso se aplica a adultos, crianças e até a fetos não nascidos que já tem sistema nervoso desenvolvido. Isso se aplica até mesmo a seres vivos não humanos.

Mas um punhado de células que nem sabe que existe, incapaz de sentir, de pensar, de lembrar, de se comover ou de qualquer coisa que não seja se replicar... Esse punhado de células não tem valor moral intrínseco apenas por possuir genes humanos.

Infelizmente, o interlocutor de Shapiro também estava (evidentemente) em um debate oral, sem tempo para pensar muito no que dizer, e ele era um estudante debatendo com um advogado formado em Harvard com honra e acostumado a falar em frente a milhares de pessoas. Era impossível "vencer". Mas ele combateu o bom combate.

Isso, porém, não é motivo para comprar o discurso falacioso de Ben Shapiro.

Figura por Gage Skidmore.


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