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Sobre Benjamin Franklin, biografias e audiolivros

Quando comecei a estudar italiano por conta própria, empreitada que durou apenas uns três meses, baixei alguns livros infantis para ouvir enquanto corria os cinco quilômetros do Parque do Sabiá. A intenção era praticar a audição, ouvindo em italiano estórias que eu já conhecia e cuja linguagem era simples. Mesmo deixando de entender muita coisa, achei que seria proveitoso me habituar ao som do idioma, afinal, é assim que os italianozinhos começam: ouvindo todo mundo falar e imitando, mesmo sem entender nada.

Talvez não fosse o melhor método, mas "se não faz bem, mal também não faz".

Além do mais, não fossem os audiolivros em italiano, eu estaria correndo ouvindo pela trocentésima vez Imunidade Musical do Charlie Brown Jr. Ao invés de me exercitar por uma hora e depois estudar por outra hora, por que não fazer os dois ao mesmo tempo, igual a Hermione no terceiro ano de Hogwarts?

Passada a curta temporada de estudo do italiano, passei um grande período sem utilizar audiolivros, ainda que mantivesse minha convicção de que eles podem ser muito úteis. Agora, durante as férias, estou voltando à rotina de exercícios que havia abandonado, e decidi tentar novamente os audiolivros. A intenção é a mesma de antes: dobrar o tempo, fazer em uma hora o que eu faria em duas.

Baixei um aplicativo na App Store chamado Audiobooks. Estou gostando dele. Há uma versão grátis com milhares de títulos disponíveis, e uma versão paga com ainda mais títulos e sem anúncios. Estou utilizando a versão gratuita.

Fui ao catálogo do aplicativo e procurei por biografias. Biografias são obras ao mesmo tempo muito divertidas e instrutivas. Divertidas, pois as anedotas contadas nesses livros são as mesmas que se contariam em uma reunião informal de bons amigos: estórias emocionantes, engraçadas, ou pelo menos improváveis.

Além disso, biografias são inspiradoras. Lembro-me de como fiquei entusiasmado ao ler a biografia de Elon Musk, por Ashlee Vance. Conhecer os detalhes da odisseia de Elon, desde os dias em que ele dormia na sede da Zip2 até os lançamentos bem sucedidos da SpaceX, nos estimula a sermos nós próprios mais aguerridos, corajosos e disciplinados, como ele foi.

Biografias também são motivadoras. Não apenas inspiradoras, mas motivadoras. Na biografia de Steve Jobs, por Walter Isaacson, há uma passagem muito instigante em que o empresário nos diz que nossa vida, como a conhecemos, foi criada por pessoas que não são mais inteligentes do que nós, e que nós podemos na verdade mudar a forma como vivemos, construindo coisas, melhorando sistemas, etc. Ou seja, tudo de maravilhoso que temos no mundo, desde as pirâmides até os aviões comerciais, foi inventado, construído e é operado por humanos, pessoas como eu e você. Isso significa que nós temos, também, o poder de criar pirâmides e aviões.

Biografias motivam porque mostram que esses gênios, como Musk e Jobs, são humanos. Esses gênios erram, têm defeitos de caráter e são malsucedidos em vários momentos. Mas vivem de forma a se superar sempre, com obstinação e inteligência, qualidades que estão disponíveis a todos nós. A genialidade deles é uma escolha, não um acaso.

Mas biografias são principalmente livros instrutivos. Geralmente fazem-se biografias de grandes personalidades, cujas histórias têm muito a nos ensinar. Elas nos tornam mais sábios. A principal fonte de sabedoria do ser humano é a própria experiência, seguida da experiência que ele observa das outras pessoas. Biografias são séries das vivências mais importantes que uma pessoa teve durante toda sua vida, ou seja, um baú de acertos e erros que alguém já experimentou, e que podemos tentar repetir ou evitar em nossas vidas, dadas as devidas adaptações.

Encontrei, então, a autobiografia de Benjamin Franklin. Benjamin Franklin é um dos "pais fundadores" dos Estados Unidos da América, um escritor, cientista e político de grande importância na história do que viria a se tornar o país mais poderoso do mundo dois séculos depois.

Pintura, representando Benjamin Franklin, no Capitólio dos Estados Unidos.

Baixei a autobiografia, em inglês, e fui para a academia, malhar enquanto ouvia. Como suspeitei, não foi fácil. Primeiro porque era difícil me concentrar nos exercícios e no áudio ao mesmo tempo, principalmente para contar as repetições e para realizar movimentos com peso livre. Além disso, a academia é muito barulhenta, o que dificulta o entendimento do áudio, além de requerer que ele esteja em um volume além do agradável.

De toda forma, continuei ouvindo o audiolivro, já que a alternativa seria escutar mais uma vez Elis & Tom. Além de "ler" um livro ao mesmo tempo em que me exercitava, aproveitando em dobro meu tempo, eu ainda tinha a vantagem de treinar minha audição em inglês. Ou seja, no fim, mesmo que eu não entendesse o livro completamente, seria mais proveitoso do que nada.

Continuei ouvindo o audiolivro em casa, enquanto tomava banho e lavava as louças, ou em qualquer momento em que não estivesse concentrado em algo importante. Interessado pela história e ciente de que eu perderia muita coisa se dependesse unicamente do áudio, baixei a obra em PDF (ela está em domínio público) e comecei a ler no dia seguinte. No mesmo dia minha leitura já estava mais avançada do que o áudio, e eu percebi que, apesar de ter entendido em linhas gerais a história de Franklin, eu havia deixado passar vários detalhes pelo audiolivro.

Daí em diante, continuei ouvindo o audiolivro, rememorando o que eu já havia lido, com o objetivo de fixar e treinar o ouvido em inglês. Creio que, com a prática, será futuramente mais fácil entender o conteúdo dos audiobooks.

Diferentemente da versão em PDF, o audiolivro do aplicativo Audiobooks é dividido em capítulos, o que preferi à versão não dividida. Ele tem também uma introdução mais completa e interessante, com uma melhor ambientação do contexto em que Franklin escreveu sua história. A versão em PDF, por outro lado, contém duas cartas endereçadas a Franklin que não constam no áudio.

Benjamin nasceu de uma família pobre, filho de um pai que criou 17 crianças à idade adulta, no início do século XVIII. Apenas aos 17 anos, saiu da cidade natal de Boston para a Filadélfia, Pensilvânia, onde construiu sua carreira, primeiramente na imprensa, depois na vida pública. Morreu em 1790, aos 84 anos.

Desde cedo Franklin se envolveu com a leitura e a escrita, o que lhe conferiu vantagem em vários momentos decisivos de sua vida, segundo ele próprio. Foi sua paixão pela leitura que determinou seu pai a formá-lo um tipógrafo, profissão já exercida por um irmão mais velho de Benjamin. Ele começou a trabalhar como um aprendiz do irmão, que na época editava e publicava o jornal New England Courier. Logo Benjamin passou a fazer contribuições anônimas ao jornal, mostrando os primeiros sinais de genialidade literária.

As características de Franklin que mais me chamaram a atenção foram sua diligência e devoção ao trabalho e sua austeridade. De fato, também Franklin reputa seu sucesso, assim como sua felicidade, a uma vida que evitava o ócio e os excessos de todos os tipos. O autor conta que, ao iniciar sua própria imprensa na Filadélfia, concorrendo com outros dois tipógrafos já estabelecidos, foi vital para seu êxito não apenas a rotina de acordar cedo, trabalhar até tarde e não frequentar bares, mas também que as pessoas da cidade notassem esses hábitos, pois assim lhe davam mais credibilidade.

Franklin ilustra isso com um provérbio de Salomão: "Viste um homem diligente na sua obra? Perante reis será posto; não será posto perante os de baixa sorte". Como o autor nota, na época ele não esperava literalmente ficar diante de reis; ironicamente, durante a sua vida, ele esteve perante cinco.

Nessa época, nos primeiros anos tocando a própria empresa, Benjamin se casou, formou um grupo de pensadores chamado Junto, criou a primeira biblioteca pública das Treze Colônias, e iniciou um projeto pessoal de aperfeiçoamento moral.

Franklin enumera então 13 virtudes, e seus respectivos mandamentos, para serem seguidos à risca, visando à perfeição moral. Eles são:

1. Temperança. Não coma até se empanturrar; não beba até se embriagar.

2. Silêncio. Não fale senão o que pode beneficiar os outros ou você mesmo; evite conversas banais. [Isto me lembra o primeiro "acordo" de Don Miguel Ruiz no livro The Four Agreements: seja impecável com sua palavra].

3. Ordem. Cada coisa deve ter seu lugar; cada parte do negócio deve ter seu tempo.

4. Resolução. Resolva fazer o que você deve fazer; faça sem falta o que você resolveu.

5. Frugalidade. Não faça despesas senão para o bem dos outros ou seu próprio; ou seja, não desperdice nada.

6. Diligência. Não perca tempo; esteja sempre fazendo algo útil; elimine tarefas desnecessárias.

7. Sinceridade. Não cometa fraude; pense de forma inocente e justa, e, se falar, fale de acordo com o pensamento.

8. Justiça. Não prejudique ninguém praticando ofensas ou omitindo benefícios que são do seu dever.

9. Moderação. Evite extremos; evite ressentir ofensas, por mais que ache legítimo.

10. Limpeza. Não tolere sujeira no corpo, roupas ou habitação.

11. Tranquilidade. Não se aborreça com trivialidades, ou acidentes comuns e inevitáveis.

12. Castidade. Raramente se entregue ao sexo, senão para saúde ou reprodução, nunca por estupidez, fraqueza ou de forma a fazer mal à paz e reputação de si próprio ou de outrem.

13. Humildade. Imite Jesus e Sócrates.

Além deste guia moral, em diversas passagens do texto Franklin dá dicas sobre os mais variados assuntos, incluindo escrita, literatura, política, diplomacia, vida militar, produção científica, empreendedorismo e finanças, visto que ele foi bem sucedido nessas várias áreas. Seus conselhos por vezes são bem específicos, como quando prescreve o uso de certas expressões escritas em detrimento de outras, e às vezes bem gerais.

Em poucas palavras, a autobiografia de Benjamin Franklin é tudo aquilo que uma biografia deve ser: inspiradora, motivadora e instrutiva. Não temos apenas um retrato de Franklin, mas da vida nas Treze Colônias, sob o ponto de vista de uma das personalidades mais influentes da época. Não bastasse isso, a obra é um exemplo de literatura fluente e estilosa.

Conheça Benjamin Franklin. Leia biografias. Ouça audiolivros. Use protetor solar.

Figura por Architect of the Capitol.


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