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Por que escrevo em um blog que ninguém lê

Eu li isso há muito tempo. Acho que era um texto do carioca Alex Castro.

Um jovem aspirante a escritor procurou um romancista bem-sucedido de sua região e entregou-lhe um maço de folhas. "Isto é meu. Gostaria que o senhor lesse e me desse uma opinião sincera. Eu posso ser um grande escritor? Eu tenho talento?".

Depois de alguns dias, o jovem voltou para ter sua resposta. "Então, o senhor leu o texto?". O homem confirmou com a cabeça. "E aí? É bom? Eu tenho talento? Tenho chance de ser um grande escritor?".

O senhor respondeu: "É bom, sim, você tem talento. Mas isso não me diz nada sobre suas chances de se tornar um grande escritor. Todo mundo escreve um bom texto de vez em quando. O que eu preciso saber para dizer se você tem potencial para se tornar um grande escritor é o seguinte: quão disposto você está a escrever todos os dias, sem exceção? Quão disposto você está a escrever todos os dias, mesmo doente, mesmo em férias, mesmo sem ganhar dinheiro, mesmo sem ganhar nada? Quão disposto você está a escrever, todos os dias, mesmo sem ninguém ler?".

Mais alguém por aqui?

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Esses dias um amigo me perguntou por que o nome do blog é "tempo perdido". Eu disse que não havia um motivo certo. É que eu fiz o blog com pressa, eu gosto da música da Legião, e o tempo é fascinante, está sempre passando, independentemente do que façamos... Por isso.

Por um ou dois dias o nome do blog foi "check up", música de Raul Seixas. Não havia motivo. É apenas uma música da qual gosto muito e cujo título é simples.

A conversa ficou na minha mente. Depois de alguns minutos, eu voltei e falei: "a verdade, cara, é que eu perco um tempão com esse blog, rs".

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Normalmente eu não escrevo todos os dias. Nestas férias, com tempo sobrando, tenho lido e escrito pelo menos um pouco, diariamente. De vez em quando, passo o meu tempo acordado praticamente apenas lendo e escrevendo.

Ser um bom escritor é, sim, uma ambição minha. Eu também gosto de escrever. Só que o costume de ler e escrever todos os dias é algo que surge não por ambição ou gosto, mas naturalmente, quase sem esforço, a maior parte das vezes. É como se escrever nem fosse algo que eu precisasse escolher, como se o universo já tivesse escolhido isso para mim.

Mesmo doente, mesmo sem ganhar dinheiro, mesmo sem ninguém ler.

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Em 1776, sabendo que tinha uma doença incurável e mortal, David Hume escreveu uma pequena biografia denominada "My Own Life". Nela, o filósofo admite que passou quase toda sua vida em "ocupações e atividades literárias". Mesmo assim, seus primeiros livros foram fracassos. Sobre seu Tratado sobre a Natureza Humana, hoje um dos livros de filosofia mais famosos do Ocidente, o próprio Hume diz: "nunca uma investida literária foi mais infeliz".

Só que ele continuou escrevendo.

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Uma vez, ainda nos primeiros períodos da faculdade, estava conversando com um colega sobre como a medicina é uma profissão difícil: a matéria estudada é complexa, as horas de trabalho são longas, a pressão é constante, o ambiente de trabalho tende a ser desagradável etc. Aí ele falou: "é, só que pouca coisa paga".

No Ambulatório de Saúde do Adulto e do Idoso, atendemos geralmente pacientes com doenças crônicas, como artrite, doença pulmonar obstrutiva crônica e dislipidemia. Nós colhemos a história e o exame físico do paciente, discutimos o caso com nossos professores, e voltamos para passar o diagnóstico e/ou a conduta.

Ou seja, por certo ponto de vista, nosso papel é praticamente apenas intermediar a relação entre o paciente e nosso professor. Não somos nós que diagnosticamos nem que passamos as medicações; quem ajuda, de fato, o paciente, é nosso preceptor.

Mesmo assim, quase todos os pacientes ficam profundamente agradecidos a nós: "Queria trazer minha mulher para consultar aqui com vocês, tem jeito não?". Eles nos param nos corredores e nos chamam de doutor: "Se não fosse o doutor eu não teria conseguido este encaminhamento". É comovente.

A medicina exige sacrifícios, eu acho. Trabalho intelectual complexo, longas horas, pressão constante...

Só que pouca coisa paga.

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Ano passado, dei aula de inglês em uma escola particular aqui em Uberlândia, durante alguns meses. Andando pelo campus Umuarama, de vez em quando eu encontrava um aluno ou aluna por acaso. Alguns me cumprimentavam me chamando de "professor".

Eu ganhava o dia com isso.

De vez em quando, eu mando meus textos para alguém e essa pessoa elogia minha escrita. Às vezes, gente que eu nem conheço diz que leu algum texto meu. Às vezes, pessoas que conheci há muito tempo e que há muito tempo não via dizem que leram algo do blog. Vez e outra, um amigo comenta algo que escrevi e conversamos sobre o assunto.

Como disse o neurologista britânico Oliver Sacks, eu estou tendo uma relação com o mundo, a relação especial entre escritores e leitores. Ainda que poucos.

E eu ganho o dia com isso.

A medicina, o magistério e a escrita, assim como os outros ofícios humanos, exigem sacrifícios.

Só que pouca coisa paga.

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Há poucos dias, saí para jantar com meus pais e fomos atendidos por uma mulher. Ela era simpática, proativa e atenciosa. Eu fiquei impressionado com o serviço dela, excelente.

Quando estávamos indo embora, eu queria elogiá-la pelo ótimo trabalho, dizer que ela contribuiu bastante para que tivéssemos uma experiência agradável (não com essas palavras de discurso escrito) e até procurar o chefe dela para elogiá-la a ele também. Mas, por vergonha, uma tamanha besteira, não fiz nada disso.

Talvez ela tivesse ganhado o dia.

Que nós não deixemos de dar os dias das pessoas por esse tipo de bobeira.

Se ler um texto meu, gostar e um dia me ver na rua, me fala. Eu ganho o dia com isso.

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Estou mantendo o ritmo razoável de um texto por semana. Tem horas em que penso se, no meio da superprodução de informação da nossa época, eu escrever neste blog não é apenas mais uma contribuição ao lixão informacional da internet.

Pode ser que seja.

Mas eu devo continuar escrevendo, enquanto puder. Quem quiser ler, que fique à vontade. Se precisar de uma sugestão, comece por esta crônica safadinha, ou por este texto sobre determinismo e livre arbítrio; para algo mais denso e técnico, uma introdução à neurobiologia das drogas.

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Para terminar, respondendo ao título, este poeminha de Paulo Leminski:

Escrevo. E pronto.

Escrevo porque preciso,

preciso porque estou tonto.

Ninguém tem nada com isso.

Escrevo porque amanhece,

E as estrelas lá no céu

Lembram letras no papel,

Quando o poema me anoitece.

A aranha tece teias.

O peixe beija e morde o que vê.

Eu escrevo apenas.

Tem que ter por quê?

Figura de https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Wintersnow.jpg


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